8 de maio de 2009

relativismo 2

As Tentações do Bem

Uma ressaca de álcool ou uma ressaca moral cura qualquer vaidade. Achar-se virtuoso é a marca do bom canalha

por LUIZ FELIPE PONDÉ

UMA LEITORA muito especial (minha mulher!) me chamou atenção para o risco de que entendessem, a partir de minha coluna de 13 de abril, que eu desprezo o meio ambiente e me falou que seria bom eu esclarecer minha crítica. Como não sou bobo nem louco, obedeci a ela (quem quer problema com a mulher?!), e, portanto, hoje volto a alguns dos temas da semana passada.

Repito: são os vícios que nos humanizam, e não as virtudes. Por exemplo, uma leitora me dizia como “é bom acordar acabada depois de uma noite de vícios e sentir como ela é um nada”. Essa me entendeu. Uma ressaca de álcool ou uma ressaca moral cura qualquer vaidade besta. Achar-se virtuoso é a marca essencial de todo bom canalha. Adoro almas pecadoras cheias de culpa. Os puros me acusam: você tem medo do homem evoluído! Respondo: sim, morro de medo.

Quem se acha agente de pureza tem minha natural antipatia. Muita gente cospe na cara da Igreja Católica e de religiosos em geral, acusando-os de hipócritas cheios de falsas virtudes. Hoje, a falsa virtude se espalha por rostos que exalam o mesmo mau cheiro da mentira moral de muitos dos bispos no passado.

Uma das coisas que mais chocou alguns leitores que provavelmente se acham puros foi a analogia entre proteger animais e os nazistas. Leiam “Liberal Fascism”, de Jonah Goldberg, editora Doubleday, 2007 (uma referência possível entre outras). Voltarei a isso logo, tenham paciência.

É evidente que o fato de escovar os dentes de manhã (coisa que os nazistas deveriam fazer) não torna os praticantes de higiene bucal membros do partido. Tampouco ter pena dos pandinhas faz de alguém um nazista latente. A analogia se dá pelo “que” de superioridade moral que muitas dessas pessoas associam à preocupação com os ursos pandas, a natureza e o antitabagismo. Quem disser o contrário, mente. O mesmo tipo de mentira moral acompanha grande parte dos comedores de rúcula (dizem por aí que Hitler era vegetariano…). Não comer carne significaria um dado de pureza diante da baixaria sangrenta típica dos comedores de picanha. Bobagem. Muitos canalhas se sentem mal em churrascarias, detestam tabaco e conversam com plantas.

A correspondente de guerra Martha Guellhorn conta em seu livro “A Face da Guerra” (editora Objetiva, 2009), numa conversa com um refugiado polonês, que os nazistas, depois de mandar judeus para o inferno e poloneses para a escravidão, enviavam veterinários para cuidar da população de cães e gatos da região. Que sensibilidade ambiental, não?

A relação que o jornalista Goldberg descreve em seu interessante livro é conhecida de muitos: a preocupação com a natureza é fruto do romantismo (coisa em que os alemães dos séculos 18, 19 e 20 foram muito bons), raiz do nacional-socialismo (prestem atenção: “socialismo”!). O romantismo foi muito marcado pela ideia de que os humanos poluem a divindade da natureza. Adorar a natureza é coisa de neopagão bobo: câncer é tão natural quanto foquinhas. Isso não significa que matar focas a pauladas seja bonito, mas significa que esse papo de “deusa-natureza” é coisa de fanático. Para muitas viúvas do Che, “ser verde” é o “produto utopia” que resta.

Mas minha dúvida é a seguinte: qual o motor principal desse ódio aos “poluidores” da natureza? Não acredito que sejam as coitadas das foquinhas, mas sim a capacidade natural do ser humano de gostar de odiar outros seres humanos, principalmente se este ódio for justificado por alguma falsa virtude (amor aos animais, ódio aos fumantes, paixão pelas cenouras).

E, por fim, chegamos ao fantasma da eugenia (a busca de uma vida perfeita cheia de humanos saudáveis). A tese central de Goldberg é que o fascismo permanece em nosso horizonte cultural como um mercado invisível de eugenia silenciosa. Essa eugenia é nossa “tentação do bem”. O paradigma de uma sociedade da “grande saúde” é típico dos totalitarismos. Belos corpos, comida balanceada (outra coisa cara aos nossos ancestrais nazistas: preocupação com a alimentação), ar sempre puro, pessoas que agregam saúde aos comportamentos cotidianos. Suspeito que muitos desses fascistas da saúde que andam por aí se sentiriam em casa em algumas das organizações nazistas preocupadas com o meio ambiente e com a saúde na Polônia em 1943.

E, para terminar, olhem que pérola: “Adoro ver essa demonstração de saúde ao meu redor”, Adolph Hitler.

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