17 de abril de 2009

relativismo 1

O Cigarro de Sade
Luís Felipe Pondé

Sade é sem dúvida um autor famoso. Para alguns, ele é um gênio que grita pela liberdade em meio ao século das Luzes (um Voltaire maníaco por sexo), para outros, mero tarado sexual com dotes literários medíocres.

Apesar de tê-lo lido com alguma atenção e entender um pouco o que os especialistas veem nele, suspeito que, antes de tudo, seu sucesso se deu porque ele era um nobre “em desgraça” que escrevia pornografia pesada (quem não gosta?). Se ele estiver certo, somos todos tarados sexuais. Mas levemos a sério sua “crítica” e vejamos aonde ela nos levaria hoje.
Sade funda uma “tradição” que é ver no sexo algo além dele. Muitos o seguiram nessa suspeita de que sexo é mais do que sexo. O Sade político ou psicanalista é o mais famoso. Mas há um Sade “metafísico”.
Segundo sua metafísica, a Natureza é perversa e cruel e, portanto, a rigor, não há crime ou transgressão porque a regra é o crime e a transgressão. Nesse sentido, ele se aproxima muito dos cristãos antigos conhecidos como gnósticos, caras que afirmavam que o mundo foi criado por um deus mau.
Segundo o que nos legou os críticos desses gnósticos, alguns deles se entregavam a todo tipo de sexo, menos o reprodutivo, como forma de desafio ao deus mau. Diriam eles: “Veja, oh! Miserável deus, você nos fez gostar de sexo para reproduzir suas vítimas, por isso fazemos apenas sexo estéril”. Já há aqui algum indício da “sexualidade de protesto”.
Mas o Sade político e psicanalista é mais fácil de circular em jantares inteligentes. Seus frequentadores são consumidores envergonhados de antidepressivos, não aturam pessimismo de gente grande como a metafísica de Sade.
A política sadiana identifica na moral social a intenção de nos destruir pela repressão do desejo. Quem busca a “virtude”, como sua personagem Justine, é objeto “feito” para ser torturado por uma sociedade que dá corpo à crueldade da Natureza louca. A revolta nesse caso é ser sexualmente “livre”: transformar-se no libertino, ou seja, no torturador, identificando-se com a “regra da crueldade gostosa”.
Já o Sade psicanalista é aquele que “pressente” o gozo da pulsão de morte como natureza essencial do animal louco que seríamos. Violência, revolução e gozo.
Depois dele, nunca mais fomos para cama com alguém sem levar junto Freud (mamãe e papai), Marx (e a ideologia de classe), Foucault (e a microfísica do poder invisível), enfim, haja cama grande para tanta gente.
Não fazemos mais sexo, fazemos política e sintomas quando temos tesão por alguém. Confesso que no fundo acho esse papo de perversão sexual meio “boring” (um saco): bater, queimar, cortar, apanhar, ser queimado, ser cortado. A mesma lengalenga de sempre. A morte para um perverso é achá-lo entediante. Na realidade, a política sadiana hoje está espalhada em sites sado-maso banais.
Acho mais interessante imaginar o que Sade teria escrito hoje, se vivesse em nossa época, dada a delírios de uma nova “pureza”. Imagine, caro leitor, que existem pessoas que “salvam” o mundo comendo alface! Um exército de rúculas! O que seria transgressivo no caso da “nova pureza”? Tiraria ele sarro do “pai Obama”? Ou talvez ele fumaria um cigarro no meio de um templo onde se reúnem os fascistas da saúde?
Mas tabaco faz mal! Claro que sim, mas ser violentada por cinco caras também faz mal. Fazer sexo nos telhados, como gatos, também faz mal. Por que achar que isso é libertador e fumar não? Vamos adiante, quem é o novo Sade? Que tal comer gordura trans? Ou será que a “ciência da comida saudável” já mudou de novo e agora comer gordura trans combate ataques cardíacos?
Vejo um Sade gordo, dilacerando uma picanha em meio a um restaurante de comedores de rúculas. Chorariam? Ou o espancariam? Vaquinhas jamais, mas sádicos comedores de carne e fumantes merecem uma surra? Ou apenas desprezo e nojo? Os nazistas também eram defensores dos animais…
Sua Sodoma seria deliciosamente poluída, rindo das “medições” do aquecimento global. No lugar da teoria Gaia da “mãe terra”, a “devoradora terra” gargalhando de nossa “devoção verde”.
O Sade do sexo envelheceu. Hoje todo mundo acha chique achá-lo chique. O novo Sade é aquele que, talvez, debocharia de uma sociedade da saúde. O que nos humaniza são os vícios, não as virtudes. Temo pessoas que não têm vícios. O novo hipócrita é magérrimo, “verde” e antitabagista.